Vioxx, aspirina, antidepressivos e o princípio da similitude - Informativo APH Teixeira, MZ. Vioxx, aspirina , antidepressivos e o princípio da similitude. Informativo APH 2004; 16(92): 15-16. Em 30/09/04, fomos surpreendidos pelo noticiário de que o antiinflamatório Vioxx (Rofecoxib, Laboratório Merck Sharp & Dohme), do grupo dos inibidores seletivos da ciclooxigenase 2 (COX-2), que reduzem a inflamação sem afetar a ciclooxigenase 1 (COX-1, protetora do estômago e dos rins), estava sendo retirado imediatamente do mercado, devido a um estudo observacional que mostrara aumento do risco de ataques cardíacos em pacientes que se utilizavam do medicamento em altas doses e por tempo prolongado. Em 16/10/04, o Laboratório Pfizer alertou que o antiinflamatório Bextra (inibidor da COX-2) poderia causar os mesmos riscos. Esse estudo de coorte retrospectivo, patrocinado pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão responsável pelo controle de medicamentos nos EUA, foi apresentado por epidemiologistas numa conferência em Bordeaux (França), no qual os pesquisadores analisaram o histórico médico de 1,4 milhão de pacientes (1999-2001) usuários da droga. Desse total, 8.199 pacientes sofreram um ataque cardíaco na vigência do emprego do Vioxx. Segundo David Graham, coordenador do estudo, o FDA terá que decidir 'se o risco aumentado de um ataque cardíaco, em até três vezes, compensa a utilização do fármaco'. Tamanha foi a repercussão do estudo, que o laboratório se propôs a reembolsar integralmente os usuários que devolvessem nas farmácias qualquer quantidade do medicamento em uso. Este 'escândalo científico' fez com que as ações do Laboratório Merck Sharp despencassem 27% na Bolsa de Valores de Nova York, causando verdadeiro frisson na indústria farmacêutica, em vista dos 20 milhões de usuários do Rofecoxib desde 1999 (105 milhões de receitas apenas nos EUA), que engordaram a receita do laboratório americano em US$ 2,5 bilhões. Antes desta pesquisa, outras já demonstravam que 'o consumo crônico do medicamento Vioxx, em altas doses (50 mg/dia), poderia elevar o risco de problemas cardiovasculares sérios' [New England Journal of Medicine 2000, 343: 1520-28; Lancet 2002, 360(9339): 1071-3; Pharmacoepidemiol Drug Saf 2004, 13(6): 339-43]. Como explicação científica ao grave evento adverso observado, dois mecanismos foram propostos [Science 2000, 296: 539-541]: primeiro, AINHs não-seletivos (AAS, ibuprofeno, indometacina, nitrofenaco, etc.), inibidores da COX-1 e da COX-2, seriam cardioprotetores, devido ao efeito inibitório sobre o tromboxano A2 (TXA2), mediado pela COX-1, que causa a agregação plaquetária; segundo, inibidores COX-2 seletivos (Rofecoxib), teriam efeitos cardiovasculares deletérios porque eles não bloqueiam o TXA2, mas bloqueiam seletivamente o efeito vascular benéfico e protetor da prostaciclina (PGI2), mediada pela COX-2. Segundo John Vane, pesquisador do Willian Harvey Research Institute (St. Bartholomew's Hospital Medical College, Londres, UK), 'esses resultados fornecem evidências fortes de que a PGI2 modula a ação cardiovascular do TXA2 in vivo', concluindo que a manutenção da homeostase cardiovascular seria explicada pelo equilíbrio entre esses dois eicosanóides (TXA2 versus PGI2). [Lancet 2002, 359, Letter] No entanto, o equilíbrio da homeostase cardiovascular abarca processos mais abrangentes, citados e empregados pela Homeopatia, mas desconsiderados pela racionalidade médica e científica moderna. Observando o mecanismo de ação das drogas enantiopáticas (contrárias, opostas, antagônicas), Samuel Hahnemann embasa o princípio de cura homeopático na reação vital ou ação secundária do organismo, em resposta à ação primária dos medicamentos que buscam suprimir os sintomas dos desequilíbrios fisiológicos manifestos nas enfermidades. (Organon, § 63-65) Em sua genialidade, Hahnemann afirma no § 61 do Organon que 'a reflexão sobre os tristes resultados do emprego de medicamentos antagônicos' demonstra a validade do método homeopático, como vamos exemplificar nos estudos recentes sobre os efeitos do ácido acetilsalicílico ou AAS (Aspirina) na homeostase orgânica. O AAS pertence à classe dos AINHs não-seletivos da enzima ciclooxigenase (COX), que catalisam a conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas (COX-2) e tromboxanos (COX-1). Empregado largamente na prevenção de eventos tromboembólicos (acidentes cardiovasculares), quando utilizado segundo o princípio terapêutico dos contrários, o AAS apresenta como ação primária ou efeito terapêutico enantiopático a propriedade de evitar a formação de trombos, inibindo a ciclooxigenase 1 (mediadora da atividade plaquetária ao estimular a síntese do TXA2) e a agregação plaquetária. Estudos experimentais, in vitro e in vivo, têm evidenciado que após a descontinuação ou a suspensão do AAS, em indivíduos mais ou menos suscetíveis aos efeitos do fármaco, o organismo (princípio vital), movido pelo instinto automático de conservação e manutenção da homeostase inicial, que foi alterada pela ação primária da droga, pode reagir, produzindo uma manifestação peculiar, idiossincrásica, denominada ação secundária ou reação vital, estimulando a produção da COX-1 e a atividade plaquetária (TXA2) a valores muito acima dos basais, incrementando a formação de trombos e a probabilidade da ocorrência de acidentes cardiovasculares (angina instável, IAM, AVC, etc.), tanto no emprego de doses ponderais [Undersea Biomed Res 1975, 2(4): 233-49; Fortschr Med 1979, 97(10): 471-4; Thromb Res 1986, 41(2): 223-37; Kardiologiia 1993; 33(5): 4-9; Cardiology 1993, 83(5-6): 367-73; Thromb Res 1994, 74(1): 39-51; Blood 1995, 85(11): 3034-9; Arch Mal Coeur Vaiss 1996, 89(5): 15-8; Circulation 1996, 94(9): 2083-9; Thromb Res 1998, 89(3): 123-7; Thromb Res 1998, 90(5): 215-21; Thromb Res 2000, 100(4): 317-23; Health Technol Assess 2004, 8(40): 1-156] quanto na utilização de doses infinitesimais [Thromb Res 1987, 48(4): 501-4; Haemostasis 1990, 20(2): 99-105; Thromb Res 1990, 60(3): 231-6; Thromb Res 1994, 76(2): 225-9]. Estudo de coorte retrospectivo com 1.236 pacientes internados por síndrome coronariana no University Hospital Pasteur (Nice, França) foi apresentado no CHEST 2003 [Aspirin withdrawal may pose risk to coronary patientes. In: 69ª Annual International Scientific Assembly of The American College of Chest Physicians, Orlando, EUA, 2003], evidenciando que 51 pacientes (4,13%) foram internados, na primeira semana após a suspensão do uso regular de aspirina profilática (> 3 meses), apresentando eventos coronarianos agudos, manifestos como anginas instáveis, tromboses e infartos agudos do miocárdio (IAM). Apesar dos pacientes terem apresentado história prévia de ataques cardíacos e angina estável, nenhum deles referia evento coronariano instável anteriormente. Emile Ferrari, autor do estudo e Professor de Cardiologia do University Hospital Pasteur, e Richard S. Irwin, Presidente do American College of Chest Physicians, concluíram que este estudo serve como uma advertência, para todos os profissionais médicos que tratam pacientes coronarianos, de que 'a decisão de descontinuar abruptamente o emprego profilático da aspirina deve ser desaconselhada'. Apesar da maioria das pesquisas com o Rofecoxib não evidenciar a inibição da agregação plaquetária como ação primária do fármaco (comum aos AINHs não-seletivos), experimentos recentes in vitro [Eur J Clin Invest 2004, 34(4): 297-302] demonstraram diminuição da agregação plaquetária induzida por diferentes agonistas e inibição da trombogênese mediada por plaquetas, em intensidade maior do que o AAS, sugerindo que o mecanismo trombogênico citado anteriormente para a Aspirina pode ocorrer também com o Vioxx. Com os antidepressivos, está ocorrendo o mesmo 'fenômeno': estudos vêm demonstrando um aumento de 100% na taxa de incidência de pensamentos e comportamentos suicidas entre pacientes com depressão, em uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina ou ISRS (Seroxat, Paxil, Zoloft, Efexor, etc.), quando comparados a pacientes tratados com placebo [Am J Nurs 2004, 104(8): 25-6; BMJ 2004, 329(7461): 307; J Clin Psychiatry 2004, 65(7): 915-8; J Clin Psychiatry 2004, 65(6): 742-9; Science 2004, 305(5683): 468-70; J Ark Med Soc 2004, 101(1): 27-9; Nature 2004, 430(6998): 401-2; JAMA 2004, 292(3): 379-81; JAMA 2004, 292(3): 338-43; BMJ 2004, 329(7456): 34-8]. Apesar dos psiquiatras justificarem as atitudes suicidas citadas à 'síndrome da ativação', na qual o efeito inicial do antidepressivo (melhora da psicomotricidade antes da melhora do humor) permitiria que o paciente saísse do estado de inatividade e letargia, adquirindo forças para concretizar o desejo de tirar a própria vida, esta hipótese não se aplica aos estudos anteriores, pois a tendência suicida foi observada durante todo o tratamento e não somente no início do mesmo. Seguindo a mesma linha de pensamento para tentar explicar estes fatos, os antidepressivos ISRS, em sua ação primária ou efeito terapêutico enantiopático, mantêm a concentração do neurotransmissor serotonina nas sinapses por mais tempo, promovendo melhora dos sintomas da depressão, sendo utilizados também para o tratamento da ansiedade, do transtorno bipolar e da anorexia através de seus princípios ativos (fluoxetina, paroxetina, sertralina, etc.). Assim como outros ansiolíticos [Psychoneuroendocrinology 2004, 29(9): 1101-8; Drugs 2003, 17(7): 513-32] e antidepressivos [Eur J Pharmacol 2004, 492(1):61-3; Eur J Pharmacol 2003, 458(1-2): 129-34; Encephale 2003, 19(6): 645-50; Neuropsychopharmacology 2002, 26(2): 246-58; Neuropsychobiology 1994, 30(2-3): 101-5], os ISRS [Am Fam Physician 1997, 56(2): 455-62], após sua suspensão ou simples descontinuação em pacientes mais sensíveis ao fármaco (por exemplo, jovens e adolescentes), também despertam uma ação secundária ou reação vital do organismo (com a diminuição da concentração sináptica de serotonina), com exacerbação dos sintomas (depressão, ansiedade, mania, pânico, sonolência, etc.) suprimidos em seu efeito primário drogal. A piora da depressão, em níveis superiores ao estado basal, poderia explicar o aumento dos pensamentos e comportamentos suicidas citados. No estudo do efeito rebote (rebound effect) ou reação paradoxal (paradoxal reaction) do organismo, denominações empregadas pelas farmacologia e fisiologia modernas à ação secundária ou reação vital do organismo segundo o modelo homeopático, encontramos a explicação para o fenômeno anteriormente descrito, observado após a suspensão ou descontinuação de centenas de drogas enantiopáticas modernas, das mais diversas classes. [1-3] Estudada pela fisiologia integrativa através do complexo sistema psico-neuro-imuno-endócrino-metabólico, a homeostase promove reações orgânicas no sentido de resgatar o equilíbrio do meio interno alterado por fármacos, estímulos externos ou emoções. Grande número de iatrogenias poderia ser evitado se a classe médica fosse esclarecida sobre a manutenção homeostática regulada através do efeito rebote, evitando-se a paradoxal agravação do quadro clínico com a descontinuação lenta e gradual das drogas empregadas segundo o princípio dos contrários. Referências Bibliográficas 1) Teixeira MZ. Semelhante cura semelhante: o princípio de cura homeopático fundamentado pela racionalidade médica e científica. São Paulo: Editorial Petrus, 1998. 2) Teixeira MZ. Similitude in modern pharmacology. British Homeopathic Journal 1999; 88: 112-20. 3) Teixeira MZ. Homeopathic use of modern medicines: utilisation of the curative rebound effect. Medical Hypotheses 2003; 60(2): 276-83. |