HOMEOPATIA:
Ciência, Filosofia e Arte de Curar


Interesse Geral 

O efeito placebo na prática clínica homeopática - Gazetinha AMHB 

O efeito placebo na prática clínica homeopática - Gazetinha AMHB

Teixeira MZ. O efeito placebo na prática clínica homeopática. Gazetinha nº 28 – Novembro 2008 - Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB).

 

Em qualquer tratamento farmacológico, os efeitos terapêuticos relacionam-se a dois tipos de fatores: específicos (dose, duração, via de administração, farmacodinâmica, farmacocinética, interações medicamentosas etc.) e inespecíficos (história e evolução natural da doença, regressão à média, aspectos sócio-ambientais, variabilidade inter e intra-individual, desejo de melhora, expectativas e crenças no tratamento, relação médico-paciente, características não-farmacológicas do medicamento etc). O fenômeno placebo-nocebo faz parte destes últimos.

Etimologicamente, o termo placebo se origina do latim placeo, placere, que significa “agradar”, enquanto o termo nocebo se origina do latim nocere, que significa “infringir dano”. De forma generalizada, entende-se efeito ou resposta placebo como a melhoria dos sintomas e/ou funções fisiológicas do organismo em resposta a fatores supostamente inespecíficos e aparentemente inertes (sugestão verbal ou visual, comprimidos inertes, injeção de soro fisiológico, cirurgia fictícia etc.), sendo atribuível, comumente, ao simbolismo que o tratamento exerce na expectativa positiva do paciente.

Dentre os aspectos ambientais, sociais, psicológicos e metodológicos que interagem na pesquisa e na prática clínica em geral, outros fatores inespecíficos que confundem a verdadeira resposta terapêutica devem ser considerados, tais como: efeito hawthorne (melhoria que deriva do simples fato do indivíduo ser submetido à observação clínica); efeitos benéficos de tratamento adicional ou da atenção médica aumentada durante o estudo ou o atendimento; respostas de delicadeza ou subordinação (sabendo a resposta desejada pelo investigador ou pelo médico, o paciente pode reportar benefícios quando estes não ocorrem); viés de escala ou parâmetro na medição de resultados subjetivos (escala ou parâmetro para benefícios maior do que para a deterioração da situação) etc. Estes mesmos fatores, quando atuam em sentido contrário, podem induzir o efeito nocebo.

Algumas metanálises analisaram a resposta placebo em doenças isoladas, utilizando ensaios clínicos placebos-controlados com drogas convencionais e constatando uma melhora média dos sintomas clínicos em torno de 20-30% em asma, câncer, doença de Crohn, síndrome da fadiga crônica, úlcera duodenal, síndrome do intestino irritável, colite ulcerativa, depressão maior, mania, enxaqueca etc.

Dentre os mecanismos moduladores do efeito placebo, temos o condicionamento clássico ou operante, que explica a resposta placebo segundo o paradigma behaviorista (pavloviano), sendo desencadeada após a exposição repetida do indivíduo a associações de sugestões sensórias neurais (forma e cor dos comprimidos, ambiente do consultório médico etc.) com intervenções de tratamento efetivas (ex.: morfina no tratamento da dor). Outro importante mecanismo psicológico indutor do efeito placebo é a expectativa consciente dos pacientes nas perspectivas de melhoras clínicas, que pode ser ampliada pelas sugestões verbais que acompanham o tratamento placebo. Ambos os mecanismos citados atuam de forma sinérgica, um aumentando a resposta do outro.

Desta forma, os diversos fatores envolvidos na relação médico-paciente, do acolhimento ao teor específico das declarações feitas pelo médico, incrementados pelas promessas de cura globalizante e isenta de efeitos colaterais intrínsecas ao modelo homeopático e a outras práticas médicas não-convencionais, influenciando a expectativa do paciente por uma melhora dos seus sintomas, podem desencadear efeitos significativos no desfecho clínico de qualquer tratamento, alterando a atividade de determinadas regiões cerebrais e a liberação de neurotransmissores específicos.

Trabalhos científicos recentes têm mapeado as áreas cerebrais responsáveis pelo fenômeno placebo-nocebo através de tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância nuclear magnética funcional (RNMf), descrevendo os mecanismos psiconeurofisiológicos envolvidos no processo: iniciando pela convicção de melhora gerada no córtex pré-frontal pelo estímulo sensório talâmico, a mensagem de expectativa positiva por melhora é transmitida por tratos cortico-límbico-estriatais para os núcleos da base, por onde vários mediadores podem trabalhar via óxido nítrico para liberar o fluxo de dopamina para o movimento, a recompensa e os circuitos de motivação. Desta forma, o poder da convicção e da expectativa consciente positiva ao qual o efeito placebo está relacionado alteraria o padrão neuroquímico em áreas chaves do cérebro responsáveis pelo movimento (corpo estriado), prazer (núcleos da base) e dor física ou psicológica (cíngulo anterior), desencadeando uma resposta placebo evidente em doença de Parkinson, transtornos depressivos e distúrbios dolorosos, respectivamente. Entretanto, o sistema dopaminérgico mesolímbico-mesocortical também sofre controle superior dos eixos de resposta ao estresse (hipotálamo-pituitária-adrenal e amídala lateral-loco cerúleo), sugerindo que a convicção e a expectativa positiva podem modificar a resposta ao estresse e conduzir o efeito placebo para muitos distúrbios psicossomáticos como hipertensão, angina, doença intestinal inflamatória, asma etc.

E o que isto tem a ver com a prática clínica homeopática?

Prometendo aos pacientes um equilíbrio geral (corpo-mente-espírito) sem os inconvenientes das drogas convencionais, muitas vezes de forma dogmática, exagerada e inconseqüente, a dinâmica semiológico-terapêutica homeopática pode estimular um efeito placebo robusto da ordem de 25-45%, misturando efeitos inespecíficos (expectativa consciente elevada, relação médico-paciente diferenciada etc.) ao efeito específico da reação vital curativa despertada pelo medicamento homeopático corretamente individualizado.

E é justamente este efeito placebo robusto da abordagem homeopática que demonstra a ineficácia do tratamento homeopático perante o tratamento placebo nos ensaios clínicos homeopáticos placebos-controlados que desprezaram a epidemiologia clínica homeopática, ou seja, com desenhos impróprios à clínica da individualidade.

Não foi isto que mostrou a metanálise do The Lancet de 2005, em que a grande maioria dos ensaios clínicos homeopáticos selecionados apresentava desenhos que desrespeitaram a individualização do medicamento homeopático, empregando um mesmo medicamento (44%) ou uma mesma mistura de medicamentos (32%) para uma queixa clínica comum de todos os pacientes?

Estamos satisfeitos com ± 30% de melhora clínica secundária ao efeito placebo da prática clínica homeopática não-individualizada, ou desejamos atingir níveis de melhora clínica acima de 80%, com um efeito preventivo e residual que permaneça por anos após a suspensão do tratamento, desde que nos dediquemos com esmero a um tratamento homeopático de médio-longo prazo, visando a individualização do medicamento segundo a totalidade sintomática característica?

Na tese de doutorado concluída e que estarei defendendo nos próximos meses na FMUSP, juntamente com as inúmeras nuances do fenômeno placebo-nocebo da prática clínica homeopática, estarei discutindo as premissas necessárias e possíveis para o desenho de ensaios clínicos homeopáticos placebos-controlados epistemologicamente corretos, mostrando, inclusive, a significância estatística do tratamento homeopático individualizado perante o placebo no médio-longo prazo, assim como uma análise qualitativa do efeito preventivo de semelhante prática, que pode mudar o curso natural das doenças crônicas.

Na comemoração do Dia Nacional da Homeopatia, refletindo sobre as dificuldades que Samuel Hahnemann enfrentou na implementação desta arte de curar que escolhemos como especialidade médica, faço um apelo aos colegas homeopatas que sigam seu exemplo, trocando o ensino e a prática homeopática antiética, fácil, ineficaz e lucrativa, pelos esforços contínuos na construção de um modelo ético e humanista de ensino, pesquisa e assistência homeopática, a ponto de que o Mestre de Meissen possa sentir orgulho de nossa postura e dedicação.

 

Referências

1) Teixeira MZ. Será mesmo o fim da homeopatia? Diagnóstico & Tratamento. 2006; 11(1): 61-63. Disponível em: http://www.homeozulian.med.br/debate_folha/06_discutidos_e_excluidos_reportagem.pdf.

2) Teixeira MZ. Homeopatia: prática médica coadjuvante. Revista da Associação Médica Brasileira. 2007; 53(4): 374-6. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v53n4/27.pdf.

3) Teixeira MZ. Homeopatia: prática médica humanística. Revista da Associação Médica Brasileira. 2007; 53(6): 547-9. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v53n6/a26v53n6.pdf.

4) Teixeira MZ. Pesquisa clínica em homeopatia: evidências, limitações e projetos. Pediatria (São Paulo). 2008; 30(1): 27-40. Disponível em: http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1248.pdf.

5) Teixeira MZ. Ensaio clínico quali-quantitativo para avaliar a eficácia e a efetividade do tratamento homeopático individualizado na rinite alérgica perene [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2009. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5159/tde-10062009-102220/pt-br.php.

6) Teixeira MZ. Bases psiconeurofisiológicas do fenômeno placebo-nocebo: evidências científicas que valorizam a humanização da relação médico-paciente. Revista da Associação Médica Brasileira. 2009; 55(1): 13-18. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v55n1/v55n1a08.pdf.

 



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