A natureza imaterial do homem e a medicina homeopática Teixeira MZ. A natureza imaterial do homem e a medicina homeopática. Revista Saúde & Espiritualidade nº 16, out/nov/dez 2014, p. 18-21. Publicação da Associação Médica Espírita do Brasil. Disponível em: http://pt.calameo.com/read/000143697ff5f845149f2 Em todas as civilizações e culturas, desde as épocas mais remotas, o homem busca compreender sua essência íntima, ponto de ligação com a Divindade e fator de entendimento para o mistério da vida e da morte. Denominada, simplificadamente, como Alma ou Espírito, representa a esperança na continuidade do ser e de sua vida de relações afetivas após a morte física, assumindo posição de destaque nas diversas filosofias e religiões. Nos antigos povos da Ásia e do Egito surgem concepções bastante complexas e semelhantes sobre a natureza imaterial humana, frutos de uma mesma raiz iniciática de conhecimento. Na China antiga, ensinava-se que o corpo humano apresenta um complexo sistema de canais ou meridianos de energia, no qual circula a Força Vital ou Chi, responsável pela manutenção da vida e da saúde. A Medicina Tradicional Chinesa utiliza esse sistema para tratar as enfermidades e os desequilíbrios orgânicos. Além dessa força vital, acreditava-se na existência de uma energia ancestral (Tinh) associada à energia mental ou psíquica (Than), correspondendo ao conjunto dos sentimentos e pensamentos humanos. Como outras instâncias da individualidade humana, citam ainda a Alma inferior, a Alma Superior e o Espírito Divino. Na Índia dos brâmanes e budistas, entende-se que o corpo físico (Sthula Sharira) é envolto por um veículo composto pelo éter, denominado Linga Sharira. Essas entidades, corpo físico e corpo etérico, são energizadas pela força vital ou Prana, uma corrente do oceano de vitalidade (Jiva) ou fluido cósmico universal. Como princípios intermediários, existiriam o corpo das paixões, das emoções e dos sentimentos (Kama-Rupa), a mente ou alma humana (Manas), que se divide em Manas inferior (intelecto) e Manas Superior (consciência). Num nível acima estaria a alma espiritual ou Buddhi, que é a manifestação da Sabedoria Celestial, intuindo o homem ao auto-aperfeiçoamento moral e espiritual. Finalmente, na escala evolutiva máxima dessas entidades imateriais, existiria o Atma (Espírito), fonte primordial de onde emanam todas as demais manifestações. No Egito dos faraós, a constituição humana era compreendida, além do corpo material (Kha; Chat), pela aura ou invólucro etéreo (Ba; Anch), pelo veículo das paixões e emoções ou corpo astral (Khaba; Ka), pela alma animal (Seb; Ab-Hati), pela alma intelectual ou inteligência (Akhu; Bai), pela Alma Espiritual (Putah; Cheybi) e pelo Espírito ou Alma Divina (Atmu; Shu). Na Grécia antiga, Platão, elaborando as concepções de Sócrates, transfunde a idéia de que o homem era composto pela dualidade corpo e alma (Eu superior), intercalados pelos prazeres e pelas emoções (thumos ou coração). Aristóteles, seu grande seguidor, alterou a concepção do mestre, definindo a alma como o princípio vital e racional, material e espiritual, que habita o homem, misturando conceitos distintos (Aether, Quintessência, Alma), em vista de não acreditar numa vida pessoal após a morte física. Hipócrates, o “pai da Medicina”, define a força vital (vis medicatrix naturae) como uma força instintiva e irracional, que se esforça para manter o equilíbrio das funções orgânicas, sem qualquer relação com o conceito aristotélico. Em linhas gerais, a filosofia grega reconhece no homem o corpo material (soma), a força vital (vis medicatrix naturae), a alma animal ou veículo das paixões e emoções (psyche), e a alma humana, mente ou intelecto (nous). De Hipócrates até o século XIX, a Medicina foi influenciada pelo pensamento vitalista, que aceitava a existência de um princípio energético, vital, ligado substancialmente à materialidade orgânica, responsável pela manutenção da saúde do corpo físico. Personalidades como Erasistrato, Rhazes, Paracelso, Sydenham, van Helmont, Stahl, von Haller, Claude Bernard, dentre outras, defendiam o princípio vitalista, mas sem utilizarem um método terapêutico para equilibrarem a força vital orgânica em desequilíbrio. No final do século XVIII, Samuel Hahnemann cria a Homeopatia, inaugurando uma etapa da terapêutica humana em que a unidade entre a doença e o doente é valorizada, atuando com seus medicamentos dinamizados nas distonias da força vital, transmitindo ao restante da individualidade humana (Mente e Espírito) uma sensação de bem-estar geral. Da língua latina provém a origem de inúmeras dificuldades interpretativas dos termos que definem as entidades imateriais do homem, por colocarem diante de um único elemento material até seis elementos invisíveis: animus, anima, mens, spiritus, intellectus e ratio. Ao invés das complexas diferenças conceituais que abrigavam termos semelhantes, os idiomas franco-saxões mantiveram o simplismo teológico dos dois princípios imanentes: corpo e alma. Dessa forma, disseminou-se a idéia geral de que o homem possui um corpo e uma Alma ou Espírito, sem levar em consideração as demais entidades imateriais da individualidade humana. O animus corresponderia a um princípio localizado no coração, responsável pela coragem, o valor, o arrojo e a impetuosidade humana frente aos grandes empreendimentos. O termo anima aplica-se à força vital, fluido universal ou Linga Sharira, intimamente ligada ao corpo físico, com a propriedade de transmitir vida à matéria inerte. Grande parte das confusões referidas anteriormente surge da tradução destes termos (animus e anima) pela palavra “alma”, que engloba a totalidade das faculdades intelectuais. Assim sendo, a palavra mens é que corresponde à alma humana da teologia católica, com o significado de mente humana ou Manas da concepção hindu, sem estar unida ao corpo sistematicamente. Ao spiritus corresponderia o corpo astral ou Kama, ao intellectus o entendimento superior ou Buddhi e à ratio a entidade espiritual de caráter divino ou Atma. Na concepção cristã do Novo Testamento, encontramos conceitos como Alma e Espírito, utilizados indistintamente como sinônimos, representando a entidade espiritual e divina que habita o corpo humano. Em inúmeras passagens, a palavra “espírito” é utilizada com o significado de entidades obsessoras que perturbam os homens, causando-lhes doenças e outros tipos de perturbações psíquicas. São Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios (I Co. XV, 35-49), delega uma natureza corporal ao espírito, como as concepções orientais citadas anteriormente (“também há corpos celestiais e corpos terrestres”; “se há corpo natural, há também corpo espiritual”). Na Segunda Epístola aos Tessalonicenses (II Ts. V, 23), utiliza a divisão tríplice humana (corpo, alma e espírito): “e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis”; relaciona a alma às faculdades sensitivas e o espírito à mente ou razão, de acordo às concepções esotéricas orientais de corpo astral e corpo mental, respectivamente (Hebreus IV, 12). Apesar da concepção tríplice do homem ter sido admitida e ensinada pelos precursores da Igreja Católica (Irineu, Justino Mártir, Clemente, Orígines, Gregório e Santo Agostinho), não é ensinada atualmente pela mesma. Segundo a Cabala hebraica, que corresponde ao conhecimento esotérico do povo judeu, o homem apresenta um Guph (corpo físico), unido substancialmente ao Nepesh (alma vivente), servindo de morada terrena às demais estruturas sutis em processo de evolução. Como entidades intermediárias existiriam o Tzelem (alma animal) e o Ruach (alma intelectual). Constituindo uma tríade superior, teríamos ainda o Neshamah (Alma Humana), o Chiah (Alma Espiritual) e o Yechidah (Espírito Divino). Estes princípios eram associados as Dez Sephiroth ou potencialidades humanas (Árvore da Vida). Como fruto deste “conhecimento iniciático oriental”, trazido por Christian Rosenkreuz e Helena P. Blavatsky, surgem no Ocidente a Rosa-Cruz e a Teosofia, apresentando um estudo pormenorizado da natureza imaterial humana. Dentro das concepções rosa-cruz e teosófica, teríamos, respectivamente, o corpo vital e o duplo etérico (Linga Sharira); o corpo de desejos e o corpo astral (Kama-Rupa); a mente e o corpo mental (Manas inferior); o Espírito Humano e o Corpo Causal (Manas Superior); o Espírito de Vida e o Corpo de Beatitude (Buddhi); e, finalmente, o Espírito Divino e o Espírito (Atma). Associando sua percepção aos conhecimentos rosa-cruzes e teosóficos, Rudolf Steiner cria a Antroposofia, trazendo contribuições às várias áreas do conhecimento humano. Divide a natureza sutil humana em corpo etéreo ou vital, corpo anímico-sensitivo ou corpo astral, alma do intelecto ou organização do Eu, Alma da Consciência, Personalidade Espiritual e Homem-Espírito, em analogia às demais definições citadas. Finalizando, citemos a concepção imaterial do homem segundo a Doutrina Espírita, que é bastante divulgada em nosso meio. Simplificando conceitos, apresenta uma visão ternária do homem, constituída pelo corpo físico (unido substancialmente ao princípio vital), perispírito e Espírito (Alma). Com o termo perispírito, une o corpo astral e o corpo mental das demais concepções, em vista da dificuldade de separarmos, na prática, os sentimentos dos pensamentos humanos. Segundo suas definições, o Espírito também englobaria o Corpo Causal e Corpo de Beatitude anteriormente citados. Desde a juventude, a certeza de uma individualidade humana complexa, composta pela tríade corpo-mente-espírito, pulsava internamente, fazendo-me buscar nas diversas escolas filosóficas as respostas para as indagações que afligiam o meu ser. Nessa peregrinação de estudos, literária e prática, parte dos meus anseios foi acalmada com o entendimento de que possuímos uma natureza imortal, em constante evolução, portadora de livre-arbítrio para atuar na direção que melhor lhe aprouver, mas com uma consciência interna que a orienta quanto ao caminho da Verdade e da Justiça. Dentre outros, conceitos universais como lei do karma e princípio da reencarnação, encontrados nas filosofias orientais e suas ramificações ocidentais (no Brasil, principalmente, a Doutrina Espírita), trazem uma explicação lógica para o entendimento das dificuldades e vicissitudes que assolam a Humanidade. A outra parte dos anseios permanece em mim latente, alimentando o interesse e a busca por novos conhecimentos. Nessas concepções filosóficas antigas, que parecem ter se originado de uma fonte de conhecimentos comum (raiz iniciática) em vista da uniformidade de conceitos, os princípios imateriais humanos e suas manifestações são amplamente estudados, numa natureza sétupla de extrema complexidade. Sob este prisma, o modelo antropológico humano adquire matizes fascinantes, podendo ser aplicados nos diversos campos do conhecimento e da ciência moderna. Ao buscar a Homeopatia como especialidade médica, além do interesse despertado pela observação de resultados clínicos surpreendentes, a concepção antropológica de que uma força vital imaterial seria a responsável pela manutenção da saúde orgânica e foco da atuação do medicamento homeopático foram razões suficientes para me fazer decidir por esse caminho. Assim como a Acupuntura, a Homeopatia se propõe a equilibrar as distonias do corpo vital, atuando de forma preventiva e curativa nos distúrbios e doenças do corpo físico. Embora o modelo homeopático seja de cunho experimental, apresentando uma proposta terapêutica que se baseia no princípio de cura pelos semelhantes e na experimentação dos medicamentos em indivíduos sadios, a concepção vitalista amplia o entendimento do adoecer humano e seus tratamentos, além de trazer subsídios à compreensão do emprego das doses infinitesimais (medicamento dinamizado ou ultradiluições). Por outro lado, os conceitos vitalistas trazidos por Samuel Hahnemann ao explicar o mecanismo de ação dos medicamentos homeopáticos (estímulo da reação vital ou ação secundária curativa do organismo, de caráter oposto à ação primária da droga), encontram respaldo nos mecanismos homeostáticos estudados pela Fisiologia e pela Farmacologia moderna. Referências bibliográficas Teixeira, Marcus Zulian. A Natureza Imaterial do Homem: estudo comparativo do vitalismo homeopático com as principais concepções médicas e filosóficas. São Paulo: Editorial Petrus, 2000, 478 páginas. Disponível em: http://www.homeozulian.med.br/homeozulian_visualizarlivroautor.asp?id=4 Teixeira, Marcus Zulian. Semelhante Cura Semelhante: o princípio de cura homeopático fundamentado pela racionalidade médica e científica. São Paulo: Editorial Petrus, 1998, 463 páginas. Disponível em: http://www.homeozulian.med.br/homeozulian_visualizarlivroautor.asp?id=3 |